TEOLOGIA EM TEMPOS DE REDE
23.02.2023 - 10:29:02 | 8 minutos de leitura
O fazer teologia é fruto da ação divina e não humana, ainda que, constantemente, o humano busque Deus, mas com o auxílio da fé, que é dom de Deus. Assim, a teologia é dom de Deus, estudo sobre a sua natureza, do modo como o humano O entende. Nesse sentido, dá-se a relação entre Deus e o ser humano: “nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi ele que nos amou [primeiro] e enviou o seu Filho como oferenda de expiação pelos nossos pecados” (1Jo 4,10), pois foi o Senhor Deus que tomou a primazia de relacionar-se conosco. Por isso, somos capazes de relacionarmos tanto vertical como horizontalmente: “nós amamos, porque ele nos amou primeiro” (1Jo 4,19). A Palavra eterna de Deus se fez gente, habitou entre nós, estabeleceu sua relação com a humanidade, mesmo que esta não a tenha recebido devidamente (cf. Jo 1,11). Assim, “a pedagogia divina da comunicação conhece seu ápice no mistério da encarnação. Deus não limitou a sua comunicação à mediação da palavra ou da imagem. Ele a levou até o limite insuspeito da encarnação”. Em outros termos, “Deus assumiu a condição humana, encarnou-se, para que um homem, Jesus de Nazaré, fosse pessoalmente a palavra e a imagem do Deus invisível. Na encarnação, a Palavra e a imagem adquirem toda a sua função reveladora e comunicadora”. Portanto, “a encarnação é o nível mais alto da comunicação entre Deus e o homem. Em Cristo, Deus dá-se a conhecer plenamente. Ele é a exegese de Deus. Já não é mais possível o acesso ao conhecimento e à comunicação com Deus, se não for através de Jesus, o Cristo”.
Há na linguagem
bíblica outras expressões para elucidar tal mistério da autocomunicação divina,
na economia da salvação, pois “Deus Pai, com ternura
e misericórdia, dirigiu ao ser humano numerosas e sábias palavras”, como afirma a Carta aos Hebreus: “muitas vezes e de muitos modos, Deus falou outrora
aos nossos pais, pelos profetas. Nestes dias, que são os últimos falou-nos por
meio do Filho” (Hb 1,1-2a). Então, “quando se completou o tempo previsto em seu
eterno desígnio de amor (cf. Gl 4,4), falou por meio de seu Filho Jesus. Ele é
a Palavra do Pai, nova, última e definitiva. Não precisamos esperar outras”, pois declara Simão Pedro, como resposta da humanidade à autocomunicação divina:
“a quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68); “todas as demais
palavras devem ser discernidas à luz da Palavra que se fez carne”, além de ser Ela “viva, eficaz e mais penetrante que qualquer espada de dois
gumes” (Hb 4,12), congrega e reúne, transforma e renova as pessoas humanas nas
suas relações horizontais, pessoais, comunitárias, sociais, humanas, on-line ou
off-line, virtual ou presencial, em pequenos ou grandes grupos, mesmo em meio a
globalização e em tempos de rede.
Desse modo, “a humanidade de Jesus dialoga com a humanidade
dos homens, suas palavras, seus gestos, seus sentimentos, os símbolos que
utiliza, até sua dor e morte. Tudo nele fala. Suas respostas a situações do dia
a dia mostram um diálogo que ultrapassa o aspecto literal de sua pregação”. Inclusive, as “suas obras (cf. Jo 10,37-38) se tornam signos (cf. Jo 12,37) e o
plano de Deus se cumpre (cf. Lc 4,21). [...] O Cristo comunicador ultrapassa o
limite do código verbal. Ele assumiu os códigos da ‘carne’, se tornou Deus
conosco, próximo e identificado com o ser humano”. Jesus utiliza os mesmos códigos dos interlocutores, mergulha na cultura de seu
povo e faz da linguagem humana e de todo o seu ser, emoções, sentimentos,
desejos, gestos e atitudes, instrumentos ou canais para transmitir a mensagem
da salvação. Bem afirmou Paulo: Jesus de Nazaré “‘é a imagem visível do Deus invisível’
(Cl 1,15), o signo eficaz, o sacramento do Pai, Aquele que anuncia e cumpre o
desígnio salvífico do Pai (cf. Hb 10,5-10). Nele o diálogo com a humanidade se
realiza de modo pleno e direto”.
Considerando esta via teológica por excelência, questiona-se: qual será, então, o problema fundamental da teologia? Qual seu objeto de pesquisa? Para Comblin, “o problema teológico fundamental não é o de definir as essências dos objetos revelados. Essas essências não estão ao nosso alcance. O problema fundamental é: como ser cristão hoje? Que faria Cristo hoje? Como interpretar o momento atual?”. Ou seja, “os diversos objetos da chamada revelação precisam ser colocados na perspectiva das perguntas que acabamos de formular se querem ajudar a vida cristã e não enganá-la. Deus, o Filho, o Espírito, o pecado, a salvação, a Igreja, os sacramentos, a escatologia não podem ser contemplados no seu verdadeiro significado a não ser dentro da perspectiva da missão de Cristo hoje”, pois Ele é o enviado do Pai, que está presente, vivo entre nós, e conosco estabelece genuína relação. Portanto, afirma Comblin: “se o ponto de partida não for este, a teologia nunca chegará a falar do fundamental: o que fazer hoje? Pois, como sempre na ciência, a conclusão está virtualmente incluída no ponto de partida. Importa é escolher bem o ponto de partida”.
Consequentemente,
se neste “tempo das redes” encontramos pessoas impressionadas
com a mudança que o Smartphone produziu no seu dia a dia, brincavam dizendo que
o mesmo deveria ser implantado no cérebro. Todavia, pode-se perceber que o
implante não precisaria ser feito, pois o Smartphone já passou a fazer parte do
seu corpo e transformara o seu comportamento, porque já estava “embodied”,
incorporado. “Mesmo hoje, o ambiente dos mass-media é tão invasivo que já
não se consegue separar do círculo da vida quotidiana. A rede é um recurso do
nosso tempo: uma fonte de conhecimentos e relações outrora impensáveis”. Logo, o virtual passou a ser parte do real, misturam-se
(híbrido), ora on-line ora off-line, permanecemos nos relacionando em rede. E,
“se é verdade que a internet constitui uma
possibilidade extraordinária de acesso ao saber, verdade é também que se
revelou como um dos locais mais expostos à desinformação e à distorção
consciente e pilotada dos fatos e relações interpessoais, a ponto de muitas
vezes cair no descrédito”, exorta-nos Papa Francisco. E, nos recorda
sobre nosso jeito de ser pessoa, pois “só comunico
realmente comigo mesmo, na medida em que me comunico com o outro. Isso explica
por que ninguém pode experimentar o valor de viver, sem rostos concretos a quem
amar”. E,
também explica o que significa ser uma vida humana autêntica: “a vida subsiste
onde há vínculo, comunhão, fraternidade; e é uma vida mais forte do que a morte,
quando se constrói sobre verdadeiras relações e vínculos de fidelidade. Pelo
contrário, não há vida quando se tem a pretensão de pertencer apenas a si mesmo
e de viver como ilhas: nestas atitudes prevalece a morte”,
pois a vida propriamente humana está “na interioridade de cada pessoa que se
sente inserida numa rede de comunhão e pertença”. Nosso Deus é o Deus da vida e não da morte, que se deixa relacionar,
autocomunicar-se, fazendo-se visível entre nós; é Deus conosco, Emanuel (cf. Is
7,14).
Acerca da teologia, em meio às mudanças do nosso tempo,
declarou a Congregação para a Doutrina da fé: “em
todas as épocas, a teologia é importante para que a Igreja possa dar uma
resposta ao desígnio de Deus, ‘que quer que todos os homens sejam salvos e
cheguem ao conhecimento da verdade’ (1Tm 2, 4)”. E
recorda-nos que, “em tempos de grandes mudanças espirituais e culturais, ela
[teologia] é ainda mais importante, mas também exposta a riscos, devendo
esforçar-se para ‘permanecer’ na verdade (cf. Jo 8,31) e ao
mesmo tempo ter em consideração os novos problemas que interpelam o espírito
humano”. Há duas
funções da teologia, também neste tempo das redes, pois ela contribui “para que
a fé se torne comunicável, e a inteligência daqueles que não conhecem ainda o
Cristo possa procurá-la e encontrá-la. A teologia, que obedece ao impulso da
verdade que tende a comunicar-se, nasce também do amor e do seu dinamismo: no
ato de fé, o homem conhece a bondade de Deus e começa a amá-lo”, tal amor
deseja conhecer sempre melhor aquele a quem ama. Deve-se considerar como ponto
de partida o tempo hodierno e da pessoa humana atual, que “não se realiza, não se desenvolve, nem pode encontrar a sua
plenitude ‘a não ser no sincero dom de si mesmo’ aos outros”.
Quatro são os critérios, segundo o Papa Francisco, dos estudos eclesiásticos, que inclui a teologia, próprios ao nosso tempo. O primeiro é a contemplação do “Evangelho de Jesus, que cada vez mais e melhor se vai fazendo carne, na vida da Igreja e da humanidade”, nos mais necessitados, nos vulneráveis, inclusive na beleza do cosmo, em toda obra criada. O segundo critério, o diálogo sem reservas, “não como mera atitude tática, mas como exigência intrínseca para fazer experiência comunitária da alegria da Verdade e aprofundar o seu significado e implicações práticas”, num intercâmbio de dons, numa autêntica cultura do encontro, pois a verdade é logos que cria diálogos. O terceiro, “a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade exercidas com sabedoria e criatividade à luz da Revelação”, ou seja, nos vários pontos de vista que deve envolver-se na luz da Revelação, e por ela ser iluminada. E, por fim, o quarto critério é a criação de rede, o compartilhamento da pesquisa, dos meios, das ferramentas e também dos resultados, facilitados pela conectividade digital.
Em resumo, o contínuo encarnar-se de Jesus na Igreja e na humanidade é como o rio vivo que nos liga às origens, tornando-as sempre presentes, que irriga diferentes terras, alimenta várias latitudes, fazendo germinar o melhor daquela terra, o melhor daquela cultura. Desta forma, o Evangelho continua a encarnar-se em todos os recantos do mundo, de modo sempre novo, inclusive no “tempo das redes”. Deixemo-nos “atualizar” pela Boa Nova de Jesus, que é o mesmo ontem, hoje e sempre.
Eduardo
Augusto Rosa de Matos
Graduado em Filosofia e graduando em Teologia pelo
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Campus Pio XI.
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